| Tô ouvindo alguém gritar meu nome
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| Parece um mano meu, é voz de homem
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| Eu não consigo ver quem me chama
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| É tipo a voz do Guina
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| Não, não, não, o Guina tá em cana
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| Será? |
| Ouvi dizer que morreu
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| Última vez que eu o vi, eu lembro até que eu não quis ir, ele foi
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| Parceria forte aqui era nós dois
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| Louco, louco, louco e como era
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| Cheirava pra caralho, (vixe) sem miséria
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| Doido ponta firme
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| Foi professor no crime
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| Também maior sangue frio, não dava boi pra ninguém (Hamm…)
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| Puta aquele mano era foda
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| Só moto nervosa
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| Só mina da hora
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| Só roupa da moda
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| Deu uma pá de blusa pra mim
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| Naquela fita na butique do Itaim
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| Mas sem essa de sermão, mano, eu também quero ser assim
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| Vida de ladrão, não é tão ruim
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| Pensei, entrei no outro assalto pulei, pronto, aí o Guina deu mó ponto:
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| — Aí é um assalto, todo mundo pro chão, pro chão!
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| — Aí filho da puta, aqui ninguém tá de brincadeira não!
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| — Mais eu ofereço o cofre mano, o cofre, o cofre!
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| — Vamo lá que o bicho vai pegar!
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| Pela primeira vez vi o sistema aos meu pés
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| Apavorei, desempenho nota dez
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| Dinheiro na mão, o cofre já tava aberto
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| O segurança tentou ser mais esperto, então
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| Foi defender o patrimônio do playboy, cuzão. |
| (tiros)
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| Não vai dar mais pra ser super-heroi
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| Se o seguro vai cobrir (hehe), foda-se, e daí?
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| Huh, O Guina não tinha dó
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| Se reagir, bum, vira pó
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| Sinto a garganta ressecada
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| E a minha vida escorrer pela escada
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| Mas se eu sair daqui eu vou mudar
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| Eu to ouvindo alguém me chamar
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| Eu to ouvindo alguém me chamar
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| Tinha um maluco lá na rua de trás
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| Que tava com moral até demais
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| Ladrão, ladrão, e dos bons
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| Especialista em invadir mansão
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| Comprava brinquedo a reveria
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| Chamava a molecada e distribuía
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| Sempre que eu via ele tava só
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| O cara é gente fina mas eu sou melhor
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| Eu aqui na pior, ele tem o que eu quero
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| Jóia escondida e uma 380
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| Num desbaratino ele até se crescia
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| Se páh, ignorava até que eu existia
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| Tem um brilho na janela, é então
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| A bola da vez tá vendo televisão
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| (Psiu…Vamo, vai, entramo)
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| Guina no portão, eu e mais um mano
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| — Como é que é neguinho?
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| Humm… Se dirigia a mim, e ria, ria, como se eu não fosse nada
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| Ria, como fosse ter virada
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| Estava em jogo, meu nome e atitude. |
| (tiros)
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| Era uma vez Robin Hood
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| Fulano sangue ruim, caiu de olho aberto
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| Tipo me olhando, Hee, me jurando
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| Eu tava bem de perto e acertei os seis
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| O Guina foi e deu mais três
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| Lembro que um dia o Guina me falou
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| Que não sabia bem o que era amor
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| Falava quando era criança
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| Uma mistura de ódio, frustração e dor
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| De como era humilhante ir pra escola
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| Usando a roupa dada de esmola
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| De ter um pai inútil, digno de dó
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| Mais um bêbado, filho da puta e só
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| Sempre a mesma merda, todo dia igual
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| Sem feliz aniversário, Páscoa ou Natal
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| Longe dos cadernos, bem depois
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| A primeira mulher e o 22
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| Prestou vestibular no assalto do busão
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| Numa agência bancária se formou ladrão
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| Não, não se sente mais inferior
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| Aí neguinho, agora eu tenho o meu valor
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| Guina, eu tinha mó admiração, ó
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| Considerava mais do que meu próprio irmão, ó
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| Ele tinha um certo dom pra comandar
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| Tipo, linha de frente em qualquer lugar
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| Tipo, condição de ocupar um cargo bom e tal
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| Talvez em uma multinacional
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| É foda, pensando bem que desperdício
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| Aqui na área acontece muito disso
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| Inteligência e personalidade, mofando atrás da porra de uma grade
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| Eu só queria ter moral e mais nada
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| Mostrar pro meu irmão
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| Pros cara da quebrada
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| Uma caranga e uma mina de esquema
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| Algum dinheiro resolvia o meu problema
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| O que eu tô fazendo aqui?
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| Meu tênis sujo de sangue, aquele cara no chão
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| Uma criança chorando e eu com um revólver na mão
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| Ou era um quadro do terror, e eu que fui ao autor
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| Agora é tarde, eu já não podia mais
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| Parar com tudo, nem tentar voltar atrás
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| Mas no fundo, mano, eu sabia
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| Que essa porra ia zoa minha vida um dia
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| Me olhei no espelho e não reconheci
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| Estava enlouquecendo, não podia mais dormir
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| Preciso ir até o fim
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| Será que Deus ainda olha pra mim?
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| Eu sonho toda madrugada
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| Com criança chorando e alguém dando risada
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| Não confiava nem na minha própria sombra
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| Mas segurava a minha onda
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| Sonhei que uma mulher me falou, eu não sei o lugar
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| Que um conhecido meu (quem?) ia me matar |
| Precisava acalmar a adrenalina
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| Precisava parar com a cocaína
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| Não to sentindo meu braço
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| Nem me mexer da cintura pra baixo
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| Ninguém na multidão vem me ajudar
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| Que sede da porra, eu preciso respirar
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| Cadê meu irmão?
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| Nunca mais vi meu irmão
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| Diz que ele pergunta de mim, não sei não
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| A gente nunca teve muito a ver
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| Outra idéia, outro rolê
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| Os malucos lá do bairro
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| Já falava de revólver, droga, carro
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| Pela janela da classe eu olhava lá fora
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| A rua me atraia mais do que a escola
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| Fiz dezessete, tinha que sobreviver
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| Agora eu era um homem
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| Tinha que correr
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| No mundão você vale o que tem
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| Eu não podia contar com ninguém
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| Cuzão, fica você com seu sonho de doutor
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| Quando acordar cê me avisa, morô?
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| Eu e meu irmão, era como óleo e água
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| Quando eu sai de casa trouxe muita mágoa
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| Isso há mais ou menos seis anos atrás
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| Porra, mó saudade do meu pai!
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| Me chamaram para roubar um posto
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| Eu tava duro, era mês de Agosto
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| Mais ou menos três e meia, luz do dia
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| Tudo fácil demais, só tinha um vigia
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| Não sei, não deu tempo, eu não vi, ninguém viu
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| Atiraram na gente, o moleque caiu
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| Prometi pra mim mesmo, era a última vez
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| Porra, ele só tinha dezesseis
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| Não, não, não, tô afim de parar
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| Mudar de vida, ir pra outro lugar
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| Um emprego decente, sei lá
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| Talvez eu volte a estudar
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| Dormir a noite era difícil pra mim
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| Medo, pensamento ruim
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| Ainda ouço gargalhadas, choro e vozes
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| A noite era longa, mó neurose
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| Tem uns malucos atrás de mim
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| Qual é? |
| Eu nem sei
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| Diz que o Guina tá em cana e eu que caguetei
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| Logo quem, logo eu, olha só, ó
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| Que sempre segurei os B. O
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| Não, eu não sou bobo, eu sei qual é que é!
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| Mas eu não to com esse dinheiro que os cara quer
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| Maior que o medo, o que eu tinha era decepção
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| A trairagem, a pilantragem, a traição
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| Meus aliado, meus mano, meus parceiro
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| Querendo me matar por dinheiro
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| Vivi sete anos em vão
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| Tudo que eu acreditava não tem mais razão, não
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| Meu sobrinho nasceu
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| Diz que o rosto dele é parecido com o meu
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| Hee, diz, um pivete eu sempre quis
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| Meu irmão merece ser feliz
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| Deve estar a essa altura
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| Bem perto de fazer a formatura
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| Acho que é direito, advocacia
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| Acho que era isso que ele queria
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| Sinceramente eu me sinto feliz
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| Graças a Deus, não fez o que eu fiz
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| Minha finada mãe, proteja o seu menino
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| O diabo agora guia o meu destino
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| Se o Júri for generoso comigo
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| Quinze anos para cada latrocínio
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| Sem dinheiro pra me defender
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| Homem morto, cagueta, sem ser
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| Que se foda, deixa acontecer
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| Não há mais nada a fazer
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| Essa noite eu resolvi sair
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| Tava calor demais, não dava pra dormir
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| Ia levar meu canhão, sei lá, decidi que não
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| É rapidinho, não tem precisão
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| Muita criança, pouco carro, vou tomar um ar
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| Acabou meu cigarro, vou até o bar
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| -E aí, como é que é, e aquela lá ó?
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| -To devagar, to devagar
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| Tem uns baratos que não dá pra perceber
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| Que tem mó valor e você não vê
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| Uma pá de árvore na praça, as crianças na rua
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| O vento fresco na cara, as estrela, a lua
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| Dez minutos atrás, foi como uma premonição
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| Dois moleques caminharam em minha direção
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| Não vou correr, eu sei do que se trata
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| Se é isso que eles querem
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| Então vem, me mata
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| Disse algum barato pra mim que eu não escutei
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| Eu conhecia aquela arma, é do Guina, eu sei
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| Uma 380 prateada, que eu mesmo dei
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| Um moleque novato com a cara assustada
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| (Aí mano, o Guina mandou isso aqui pra você)
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| Mas depois do quarto tiro eu não vi mais nada
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| Sinto a roupa grudada no corpo
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| Eu quero viver, não posso estar morto
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| Mas se eu sair daqui eu vou mudar
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| Eu tô ouvindo alguém me chamar |